"FILHO FIEL , SEMPRE MANGUEIRA"...
A Mangueira me chama, eu vou
Sempre fui o seu defensor
Sou um filho fiel
Á Mangueira eu tenho amor
Foi a Mangueira quem me deu apoio e fama
Até hoje ela me ama
Agora vieram me dizer
Que a Mangueira me quer ver quer me ver
(A Mangueira me chama)
A Estação Primeira de Mangueira pede
passagem para afirmar, em plena Marquês de
Sapucaí, que um dos maiores baluartes da sua
história, Nelson Antônio da Silva, o nosso Nelson
Cavaquinho, que completaria 100 anos de
nascimento em 2011, está vivo e comparece a
Marquês de Sapucaí, com o seu talento e a sua
poesia, para dizer que o Rio de Janeiro é esta festa
de criatividade porque tem filhos como ele.
E pede passagem também para contar o belo caso de
amor envolvendo o poeta e a nossa comunidade. Um
caso de amor que começou na década de 1930,
quando Nelson Cavaquinho, carioca nascido nas
proximidades da Praça da Bandeira, apareceu no
Morro de Mangueira na condição de soldado da
Polícia Militar, atividade que exercia por influência
do pai, Brás Antônio da Silva, tocador de tuba e
contramestre da banda de música da PM. Mas, desde
menino, Nelson tocava cavaquinho – e passou logo a
ser conhecido como Nelson Cavaquinho – e fazia
sambas e choros, razão pelo qual aproximou-se
imediatamente de Cartola (seu amigo e ídolo),
Carlos Cachaça, Alfredo Português e Zé da Zilda ou
Zé com fome. Quis o destino que ele, montado em
seu cavalo, tomasse o rumo da Mangueira. “Buraco
quente”, “Pendura saia”,” Olaria” e “Chalé”
passaram a ser uma espécie de extensão da casa
dele, um quintal do poeta. Quem havia sido
designado a cuidar da ordem estava envolvido na
boemia e atraído pelo charme e calor de um morro
que se consagrava como o mais rico canteiro de
cultura popular da nossa cidade. Foi nessa época que
Nelson trocou o cavaquinho pelo violão, um
instrumento, por sinal, que tocava num estilo
absolutamente original, com a utilização apenas do
polegar e do indicador da mão direita. A troca de
instrumento, porém, não alterou o pseudônimo que o
consagrou, pois permanece Nelson Cavaquinho até
agora, quando comemoramos um século do seu
nascimento.
A boemia fez dele um personagem de grande
destaque nas noites do Rio de Janeiro e também pela
convivência com a fina-flor do samba mangueirense.
Ele sempre impressionou os apreciadores da música
popular brasileira pela capacidade de compor letras e
músicas tão sofisticadas que chega a ser
inacreditável que aquele homem tão simples fosse
capaz de criar obras tão sofisticadas, trabalhando
sozinho ou com o seu excelente parceiro Guilherme
de Brito…
Nelson Cavaquinho e Cartola viveram uma
experiência de grande importância na história do
samba do Rio de Janeiro, quando ambos, ao lado de
Zé Kéti, eram as atrações principais do Zicartola - a
primeira casa de samba do Brasil e responsável pela
projeção de novos valores da nossa música –
Paulinho da Viola, por exemplo – e pelo retorno de
sambistas que raramente se apresentavam em
público, como Ismael Silva. Foi ouvindo os sambas
cantados no Zicartola que Nara Leão, até então
considerada a musa da Bossa Nova, decidiu gravar o
seu primeiro disco com as obras daqueles
compositores.
A partir do Zicartola, o Rio de Janeiro foi
contemplado com a moda das rodas de sambas, com
destaque para as Noitadas de Samba do Teatro
Opinião. Todas as segundas-feiras apresentavam
Nelson Cavaquinho como atração principal. Numa
dessas noitadas conheceu a cantora Beth Carvalho.
Beth era uma menina da Zona Sul, que ia todas as
segundas no teatro Opinião ver Nelson cantar. O
poeta ficara muito impressionado, pois a menina
sabia tudo do seu repertório… De admiradora e fã,
virou sua intérprete e querida amiga. Assumiu,
imediatamente, a condição de sua principal
intérprete, incluindo um samba dele em cada disco
que gravava, até que gravou um CD totalmente
tomado por obras do extraordinário compositor.
“Folhas secas”, por exemplo, foi uma espécie de
presente da dupla Nelson Cavaquinho/Guilherme de
Brito para Beth Carvalho.
A Estação Primeira pretende apresentar um
retrato de Nelson Cavaquinho, chamado algumas
vezes de “o trovador dos aflitos”. Mulheres,
botequins, dor de cotovelo e até a morte são temas
predominantes nos seus sambas. Certa vez, não
permitiu que o relógio da sua casa passasse das duas
horas da madrugada, porque sonhara que morreria
naquela noite, às três horas da manhã. Nelson
sempre conviveu com a fatalidade e, por isso, sua
poesia é marcada pela melancolia.
Compunha com intensa paixão para os solitários
dos bares, para as mulheres sem alma, para os
errantes e plebeus da noite.
Apresentamos também o boêmio de um
profissionalismo um tanto ou quanto estranho, pois
era capaz de pagar com músicas as compras de
comestíveis para sua casa. Portanto, saibam todos
que alguns dos parceiros desconhecidos, cujos
nomes aparecem em suas músicas, são, na verdade,
pequenos comerciantes ou feirantes e fornecedores
de gêneros alimentícios para sua família. Quando
estava sem dinheiro, ia até a Praça Tiradentes e
vendia o produto que melhor sabia fazer, seus
sambas. César Brasil, um de seus “parceiros”, era
gerente de um velho hotel, no Centro do Rio de
Janeiro, e incapaz de compor um verso ou de tocar
uma nota, em qualquer instrumento, mas entrou para
a história como um dos autores de um dos mais
belos samba do gênio: “Degraus da vida”.
Foi na Praça Tiradentes, também, que conheceu
Lygia. Uma mulher sem teto e que se tornara sua
companheira de copo. Nelson a considerava tanto
que tatuou seu nome no braço. Muitos o criticaram
por isso, então, compôs: “Muita gente tem o corpo
tão bonito e a alma toda tatuada” (Tatuagem).
Enfim, apresentamos Nelson Cavaquinho ao
grand complet, chamando atenção, naturalmente,
para o grande caso de amor entre ele e a Mangueira,
um caso que o grande compositor fazia questão de
tornar público. Agora, o morro que ele tanto subiu é
que desce para exaltar sua vida e sua obra. E cada
componente da nossa escola vai viver intensamente
a sua vida, beber da sua obra e louvar a sua alma
boêmia. Seremos uma só voz! Empunhando uma só
bandeira! Estação Primeira de Mangueira, com
muita emoção e garra, anuncia por quem dobram os
surdos de primeira.
Na manhã do dia 18 de fevereiro de 1986, aos 75
anos, morreu o homem, mas o poeta vive! Então
vem, Nelson! Vem receber as “flores em vida”!
Você, que sempre fora um Filho Fiel, a Mangueira o
chama mais uma vez! E agora é para sempre, por
que de hoje em diante, nunca mais você será
chamado de saudade.
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro e uma das mais populares do mundo. Foi fundada em 28 de abril de 1928, no Morro da Mangueira, próximo a região do Maracanã por Carlos Cachaça, Cartola, Zé Espinguela, entre outros. Atualmente sua quadra está sediada na Rua Visconde de Niterói, na bairro do mesmo nome
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